COLUNA JORNAL "O DIA" - 3O/11/2009

 PADRE FÁBIO DE MELO   
  Uma história sugestiva                                               
Tive a oportunidade de conhecer a África do Sul. Uma viagem fascinante. A grandeza do país está exposta nos pequenos detalhes. Um lugar onde as cores prevalecem. Nas paredes, na paisagem, nos tecidos e nas almas.
          -A África é um país musical. Em tudo há a prevalência de um som orgânico, nascido dos lugares, emitido sem reservas, sem descanso.
Brota da natureza e das bocas. Nasce ao som de tambores e instrumentos rudimentares retirados do contexto da utilidade doméstica. Vida pragmática sendo transformada em vida simbólica. Criatividade de um povo que reconhece a vida como território da revelação divina. Aliás, admiro muito as comunidades humanas que não caíram na resolução fácil que divide o mundo em duas partes: sagrado e profano.

          -Sempre tive predileção pela musicalidade negra. Acho instigante a construção melódica que costura numa mesma pauta acordes felizes e acordes tristes. Mixórdia que revela a luta de antepassados; homens e mulheres que construíram a história que hoje perpassa o canto que meus ouvidos escutam. De um lado, os colonizadores, invasores que resolveram estender os poderes de suas pátrias, obedecendo ao instinto rudimentar do poder.
          -Força que legitima os absurdos das guerras, invasões e outras irracionalidades humanas. De outro, os colonizados, os legítimos donos da terra, os curadores do espaço. Música que conta os sofrimentos do degredo, mas que também revela as esperanças que a escravidão não conseguiu sufocar.
          -Durante a viagem pude ouvir muitas histórias sobre diferentes tribos africanas. Uma delas me comoveu. Uma história musical. É o relato de um costume preservado por uma tribo. Para cada criança que nasce uma música é composta. Uma oferenda que marca a entrada da criança no mundo. Música que estará diretamente ligada à identidade pessoal. Ela cumpre papel de ser a trilha que sonoriza os momentos importantes da vida daquele que a recebeu.    

-Há um fato interessante. Segundo a história que ouvi, além de ser cantada nas celebrações felizes, a música é utilizada por ocasião de grandes deslizes cometidos pela proprietária da música. Funciona como uma espécie de purificação. Ao perceber o desvio de caminho, a comunidade se reúne e canta, para que a pessoa, ao ouvir a sua música, possa ter a possibilidade de voltar ao formato original, ao início de tudo, momento em que a música lhe foi ofertada. Esse costume me fez pensar no quanto é necessário ter um referencial que nos faça voltar ao estado primeiro das coisas. Uma voz, uma palavra, um lugar, uma música, enfim, qualquer coisa que pertencesse à nossa memória afetiva, e que tivesse o poder de nos fazer voltar a nós mesmos. Algo que pudesse nos fazer enxergar melhor o contexto de nossas escolhas. Algo que nos ajudasse na reconciliação com nossos limites, sobretudo no momento em que os erros prevalecem sobre os acertos, e a vida se apresenta difícil demais diante de nossos olhos. A história me fez refletir sobre a arte de recomeçar.
          -Verdade ou lenda? Não importa. A história já virou verdade em mim. A partir de hoje quero estar atento a tudo o que me recorda quem sou. Esteja também. Mais cedo ou mais tarde precisaremos deste instrumental.

COLUNA JORNAL "O DIA" - 1ª MATÉRIA.



Padre Fábio de Melo
  Um altar no ponto de ônibus         Rio - Eu olho para o mundo. A vida me afeta o tempo todo. É um exercício que faço. Resolvi ficar atento para não incorrer no erro de perder esta sensibilidade. Tenho medo de fechar o canal por onde o cotidiano me acessa, adentra os meus espaços, repousa em mim.
        -Vez em quando eu mepercebo acostumado aos absurdos do mundo, ou então incapaz de me alegrar com as alegrias que as esquinas resguardam. O motivo é simples. Sou contemporâneo. Estou exposto às demandas urgentes que meu contexto histórico me apresenta. Estou mergulhado nas estruturas deste mundo líquido, neste movimento de dias cuja metáfora é o fluir das águas que entre os dedos escapa.
        -As interpelações são muitas. Meu corpo único precisa administrar deslocamentos muitos. Discrepância que reconheço como revelação de uma realidade que me define como pessoa. Meu corpo é moderno, mas minha alma é antiga. Meu corpo é afeito às pressas, agendas, compromissos, ao passo que minha alma grita e reclama desejosa de calmaria.
          -Tenho encontrado muita gente sofrendo do mesmo mal. A origem de muitas angústias está diretamente ligada ao contexto de pressas e urgências que nos cercam. As cenas estão por todos os lados. Há sempre alguém estabelecendo o embate com o tempo. Gente que precisa articular as pressas do mundo com os desejos da alma.
           -Olho para a mulher simples que aguarda pelo ônibus que a conduzirá ao destino de sua casa. Os olhos parecem cansados com a espera. Deve ter passado o dia todo longe de seus significados, cuidando de filhos que não são seus, organizando a casa que não é a sua.
            -Eu a observo de longe, enquanto espero do meu carro o desenrolar do trânsito.
            -Vez em quando os seus olhos se perdem no pequeno relógio que está atado ao pulso. Olha como se quisesse paralisar o movimento dos ponteiros que a envelhece. Olha como se desejasse fazer andar lento o tempo que lhe sobra para estar com os seus.
           -As sacolas plásticas segredam a pobreza do que ali se leva, mas não é intencional. A mulher não parece temer a revelação de sua simplicidade. Não há tempo para simulações. Tudo está à vista, pronto para ser desvendado, tal qual o enegrecimento do céu anunciando a chuva que virá.
          -A mulher e o tempo. Nela nós também nos reconhecemos. Nós e nossas esperas. Inadequações que nascem da vida que nos afeta, do tempo que nos esbarra.
          -A experiência nos ensina que nem sempre é possível viver conforme o nosso desejo. Não temos como romper a prevalência das agendas tão prontas e acabadas. Mas nestes intervalos de obrigações e compromissos é interessante que a alma permaneça desarmada. O cotidiano é prenhe de simbologias que nos propõem valores superiores, transcendentes. Pelas ruas das cidades há sempre um altar erigido, vida humana sendo santificada mediante o rito que o amor sugere. A mesa está posta. Sejam todos bem vindos ao banquete que no ponto de ônibus eu encontrei.


           Padre Fábio de Melo: Duas flores. De lis
          Rio - Flordelis. A poesia do nome se estende pela prosa da vida. Ela é mulher. Espaço humano onde a esperança encontrou espaço para crescer, lançar raiz. Cresceu tanto que oferece em cestos aos que dela se aproximam. Cumpre na carne a proeza de ser simbólica; território que proporciona o encontro da poesia com a atitude.
          -Nasceu na favela. Cresceu num ambiente marcado pelas restrições. Carência material que não teve o poder de empobrecer a alma. Desafiou a regra simplista que acredita na predestinação que o espaço físico pode impor ao ser que o habita.
          -Flordelis é um nome bonito. Remete ao contexto da poesia do mestre Djavan, ao lamentar a morte de seu jardim, ao constatar que suas riquezas estão ressequidas, sepultadas pelo poder absoluto da morte. Canção que tem como ponto de partida o discurso da falta, impossibilidade de um amor terminado, esperanças findadas, imposição de um destino que disse não àquele que só desejava ser feliz.
          -Mas há um detalhe interessante. Aos ouvidos desavisados a canção parece ter nascido de motivos felizes. É que a beleza da melodia não nos permite perceber a tristeza da letra. Coisas de Djavan. Virtude de conseguir revestir de leveza o que é naturalmente pesado e sofrido. Mestria que o poeta tem de tocar as feridas com dedos leves. Ofício de aliviar os pesos que estão colocados sobre os ombros da humanidade.
          -A poesia de Djavan está costurada nos motivos que movem a personagem de minha estreia nesta coluna. Flordelis é apaixonada pelos jardins que estão aparentemente mortos. Aprendeu a se aproximar dos calvários da vida. Subiu morros, desafiou traficantes, converteu ódio em amor, fez alquimia no coração dos violentos. Ofereceu ternura aos que antes não conheciam a força restauradora da palavra que tem o dom de bem aventurar, isto é, colocar no caminho do bem.
          -Flordelis não tem muitos recursos. Ela só acredita no poder da palavra. “Basta uma palavra para mudar”. Este é o subtítulo do filme que relata o seu desejo de reflorescer o espaço humano.
          -Confesso que não a conhecia. Fui impactado pela sua história, quando casualmente eu a encontrei num canal de televisão. A entrevista girava em torno de sua tentativa de melhorar as estruturas da sociedade em que está situada.
          -O lar de Flordelis é um canteiro de crianças rejeitadas. Elas são muitas. Fiquei comovido com a história de Rayane, uma menina que contou ter sido jogada fora pela mãe biológica, assim como se joga um objeto indesejado. Durante o relato do abandono, os olhos da menina estavam inundados de lágrimas. Motivos diversos. Mas o que prevalecia era a gratidão. Flordelis a encontrou. Ofereceu maternidade, colo aconchegante, lugar terapêutico onde o passado seria esquecido, catarse que só o amor pode fazer acontecer.
          -Acho interessante e sugestivo começar esta coluna com esse paralelo. Flordelis faz com a vida de seus filhos o mesmo que Djavan fez com a história triste que é a matéria prima de sua canção. Ela reveste de melodia feliz.
          -O lar de Flordelis é um canteiro de histórias tristes, mas lá quem prevalece é a alegria. A fórmula? A palavra que escolheu para nortear a vida de seu lar: o amor. Ela é representante da bondade. Descobriu que o mal já tem adeptos demais. Quis fazer a diferença. E fez. E faz. Flordelis é uma proposta humana que não quero perder de vista. Ela traz no coração e na mente o código que distingue um ser humano de todos os outros. Flordelis é uma canção bonita que quero escutar sempre, assim como escuto a Flor de lis de Djavan. O mundo carece dessas composições.


ESPAÇO LITERÁRIO - GABRIEL CHALITA


25/11/2009- Lenda índigena de como nasceu o amazonas
Do poeta uruguaio Gastón Figueira.Tradução de Antônio Soares

25/11/2009- Dispersão
Mário de Sá-Carneiro

25/11/2009- Desejo

Victor Hugo
 25/11/2009- Eu te amo porque te amo
Carlos Drummond de Andrade

25/11/2009- O Homem; As Viagens
Carlos Drummond de Andrade

25/11/2009- Oração à Virgem Santíssima, Mãe de Deus e Mãe dos Homens
Oração de autoria de Tancredo Neves dedicado à Virgem Santíssima

25/11/2009- O riso de Everson
Gabriel Chalit
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25/11/2009- Eu te amo porque te amo
Carlos Drummond de Andrade

25/11/2009- O Homem; As Viagens
Carlos Drummond de Andrade

25/11/2009- Oração à Virgem Santíssima, Mãe de Deus e Mãe dos Homens
Oração de autoria de Tancredo Neves dedicado à Virgem Santíssima





Nascido em 30 de abril de 1969, em Cachoeira Paulista - SP, doutor em Direito e em Comunicação e Semiótica. Mestre em Direito e em Ciências Sociais. Foi Secretário de Educação do Estado de São Paulo e presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação. É professor, escritor e vereador da capital paulista

Veja as últimas postagens do Vereador Gabriel Chalita.



E-mail: gabrielchalita@camara.sp.gov.br
Telefone: 11 3396-4267

MULHERES COM SUSTENTABILIDADE


As Melhores Mulheres pertencem aos homens mais atrevidos. Mulheres são como maçãs em árvores. As melhores estão no topo. Os homens não querem alcançar essas boas, porque eles têm medo de cair e se machucar. Preferem pegar as maçãs podres que ficam no chão, que não são boas como as do topo, mas são fáceis de se conseguir. Assim, as maçãs no topo pensam que algo está errado com elas, quando na verdade, ELES estão errados... Elas têm que esperar um pouco mais para o homem certo chegar... aquele que é valente o bastante para escalar até o topo da árvore”.
(Machado de Assis)







"Cada um tem de mim exatamente o que cativou, e cada um é responsável pelo que cativou, não suporto falsidade e mentira, a verdade pode machucar, mas é sempre mais digna. Bom mesmo é ir a luta com determinação, abraçar a vida e viver com paixão. Perder com classe e vencer com ousadia, pois o triunfo pertence a quem mais se atreve e a vida é muito para ser insignificante. Eu faço e abuso da felicidade e não desisto dos meus sonhos. O mundo está nas mãos daqueles que tem coragem de sonhar e correr o risco de viver seus sonhos."

UM PADRE POETA! DE DEUS UM CANTADOR!



"Eu sou um contador de histórias... Gosto de me aventurar no universo das palavras, gosto de vê-las clamando por minhas mãos, desejosas de sairem da condição de silêncio. Escrever é uma forma de desvendar o mundo".
-Fábio de Melo-

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ESTANTE VIRTUAL - GABRIEL CHALITA





PROFESSOR! POETA! ESCRITOR ! VEREADOR DO BEM! E MUITO MAIS!


"É na simplicidade que nos entregamos e que partimos curiosos para a contemplação. Antes e depois. O céu começa aqui e se plenifica depois. A simplicidade do amor antecipa o que haveremos de viver." (Gabriel Chalita)

O RISO DE EVERSON POR GABRIEL CHALITA

   O riso de Everson
Everson era coveiro. Tinha medo de defunto. De caixão não tinha. Não achava de bom gosto abrir a urna para despedidas no cemitério. Isso devia ser feito antes. Quando acontecia não olhava. Aprendeu com o pai, também coveiro, que o último que olha fica com a imagem do morto perturbando durante um bom tempo.
Não se incomodava com choradeira nem com desmaio de última hora. Ficava com a pá e o chapéu esperando as despedidas e depois cumpria a função. Achava falta de respeito ficar conversando. Gostava mesmo era de imaginar a vida do partinte. Fazia isso, observando o jeito da família. Quando quem sobrava era a viúva, olhava com curiosidade se estava chorando de obrigação, de alívio ou de tristeza. Quando era o viúvo, reparava na disposição e nas mulheres distantes para perceber alguma intenção.
Tem gente que chora de remorso, tem gente que chora de saudade. Everson percebia a diferença, mas não falava porque não era dado a comentários. Desde cedo aprendeu em casa que o melhor é ficar quieto. Quanto mais se fala, mais bobagem se traz ao mundo.
Tem gosto por matemática. Conta as pessoas e compara com outros enterros. Gente jovem leva mais gente e tem mais dor, a não ser quando o velho é muito querido ou importante. Tem um caderno de anotações em casa com o nome, data e freqüência dos enterros. Em primeiro lugar, em popularidade, está o Padre João. Coisa linda ver a cidade inteira no cemitério. E ele morreu velho, bem velho. O falatório não foi econômico. E não abriram o caixão. O que menos gente levou foi um tal de Antonio do Nascimento. Ninguém. Everson até rezou por ele em consideração. E depois despejou a terra.
Em dias de chuva, partiam mais cedo os que deixavam seus mortos. Em dias de sol, acompanhavam até o final.
Caixão pequeno cortava o coração. Não entendia a falta de oportunidade de fazer coisa certa ou errada na vida. Injustiça. Caixão de virgem, desconfiava. Já viu muito moça freqüentar o lugar dos mortos acompanhada e depois vestir a pose de recatada.
Desaforo era família desleixada que deixava o túmulo sujo. Pouco caso com a casa do morto. Quando dava, limpava os abandonados. Gostava de ler os escritos nos túmulos. Perdia tempo porque lia devagar. Mas gostava.
Em um dia qualquer, quase fechando o portão, conheceu Maria Rita. Lembrou de tê-la visto em algum sepultamento. Buscou na memória e achou o dia da partida do marido. Não reparou muito porque abriram o caixão. Além do que achava desrespeitoso com o defunto qualquer reparação mais saliente.

Maria Rita veio com umas poucas flores colhidas de alguma pracinha e um maço de velas. Limpou e fez jeito de quem faz prece. Muito econômica na opinião de Everson. Nem bem se benzeu e já terminou. Não chorou. Pouca gente chora depois de algum tempo.
Pediu fogo. Everson deu. Distraída queimou o dedo. Riu. Everson também riu. Perguntou a ele se tinha medo. Ele riu e maneou a cabeça. Perguntou o nome. Everson riu e respondeu baixinho. Coçou o rosto, arrumou o cabelo, falou alguma coisa consigo mesma e sem despedir se foi.
No dia seguinte voltou. Veio acompanhando um enterro. Não chorou. Ninguém chorou. Era defunto velho e parece que sacrificava a família. Foram embora e ela ficou. Falou o seu nome e riu. Everson também riu. Perguntou se ele tinha vergonha. Ele riu. Ela deu um beijo de leve no rosto corado. Ele riu. Foi a primeira vez que uma mulher beijou Everson, que ele lembre. A mãe morreu com ele ainda menino. E o pai, homem muito trabalhador não era dado a intimidades com o filho. O pai também já tinha sido enterrado. Pouca gente foi. Os outros dois coveiros fizeram o serviço. Everson não quis que abrissem o caixão. Chorou depois que os outros se foram.
No terceiro dia Maria Rita, sem procissão alguma, voltou. Trouxe só vela e de novo pediu fogo. Everson estava enrolando cigarro de palha. Maria Rita quis experimentar. Tossiu. Everson riu. Falou a vida inteira dela. Everson ouviu. Falou inclusive do falecido e de sua falta de bondade. Falou do quanto ele a agredia. Falou de alívio. Everson quase chorou. Teve vontade de protegê-la mas lembrou-se do pai que sempre dizia que o melhor era esperar.
Ficaram juntos, ela falando e ele ouvindo até o pôr do sol. Ela não reparava nessas coisas , ele sim. Falava com alegria e ele ouvia com disposição. Voltou alguns outros dias. Deu alguns outros beijos. Tudo com muito respeito. E ele ria. Iniciativa não tinha nem para dizer sim nem para dizer não. Mas gostava.
Reparou nos seus olhos depois de um beijo de namorado e pediu a Deus, tirando o chapéu que aqueles seus olhos de gente viva o perturbassem para sempre. Maria Rita falou em casamento. Everson riu.
O tempo passou e Maria Rita nunca mais voltou ao cemitério. Everson vivia os dias esperando. Enrolava o seu cigarro de palha, varria o chão, limpava, jogava terra e escarafunchava os seus sentimentos. Morrido não tinha, senão ele teria visto. Doença? Mudança? Ele pouco descia até a cidade. O que precisava tinha por perto.
Semanas. Meses. Até que em outro sepultamento, lá estava ela. De luto. Chorosa pelo marido morto. Everson não entendeu. Abriram o caixão. Ele olhou o morto. Vestia terno cinza. Teve medo depois. Os olhos estavam lá, cerrados, mas estavam lá. Arrependeu-se. Com o chapéu e a pá esperou as despedidas. Pensou consigo mesmo. Não entendeu. Jogou terra e se foi.
No dia seguinte ela voltou. Trouxe umas flores e um maço de velas. Pediu fogo e falou da rudeza do defunto. Do ano triste de um novo casamento infeliz. Era violento também. Que bom que morreu.
Everson ouviu. Ela deu um beijo de despedida e dessa vez um abraço. Everson riu.
Gabriel Chalita