HOMENS DE CINZA- GABRIEL CHALITA

...Era menino ainda quando entrou na Faculdade
de Direito. Começava o sonho de ser juiz.Que injustiça! Em uma festa de calouros e vete-
ranos, o sonho acabou.Mayara sofreu e se consumiu naquele velório re-
pleto de interrogações.
– Por quê? – eu insistia comigo mesmo.
Descobriram os farristas. Julgaram. Prenderam.
E daí? Não foi Victor o juiz. Não. Roubaram dele o
direito de ser o que sonhara.
Na volta do cemitério, a casa ficou repleta de
amigos que tentavam dividir o peso do nosso encontro inexorável com a realidade. Por mais que tentassem, éramos nós, apenas nós que haveríamos de continuar.
Mayara e eu nos olhamos. E agora? Pensávamos e nada dizíamos. Ela pediu que enlaçássemos as mãos. Ficamos assim por não sei quanto tempo. Sem palavras. Apenas as mãos. As mesmas que acariciaram Victor pequeno, que o apoiaram nas quedas em tentativas frustradas de andar.

As mãos que tocavam para medir a febre em doenças corriqueiras,
mas preocupantes para pais de única viagem. As mãos
que o abraçavam em dias de festa. Victor gostava de
festas e de muita gente. Será que ele viu quanta gente
havia no seu enterro? Quantas lágrimas ele foi capaz de
reunir?
Tentei dizer alguma coisa a Mayara. Não conse-
gui. Ela talvez também tenha tentado. Não teve suces-
so. Silentes, deitamos e não dormimos.
Achamos por bem esperar alguns dias para arru-
mar o quarto sem vida. Cada peça de roupa tinha uma
história. Bilhetes guardados. Documentos de menino.
Cheiro na fronha que não tínhamos coragem de lavar.
Quanto tempo ainda ficaria ali aquele cheiro bom?

Escova de dentes. Os primeiros dentes de leite. Fotografias.Bola velha de futebol. Troféus. Medalhas. Silêncio. Dor.
Sozinhos. Nós e as pausas para as lágrimas insis-
tentes. O tempo haveria de cicatrizar a dor. Não o fez.
Resolvemos viajar. Desistimos. A volta seria mui-
to dolorosa. Ficaríamos imaginando talvez que ele es-
tivesse em casa, no seu quarto, nos esperando para
nos assustar. Como ele ria quando conseguia pregar
um susto na mãe.Resolvemos mudar de casa; aquela guardava lembranças demais. Ficamos na mesma casa. Concluímos que a dor iria junto.....

Gabriel Chalita

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